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Análise – Jurassic Park: The Game

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Eu sou um grande fã de Jurassic Park. É um dos primeiros filmes que me lembro de ter assistido no cinema e ainda está bem vivo na minha mente os momentos de terror do ataque do T-Rex ou encantamento ao ver o Dr. Grant ouvindo a respiração do Triceratops doente. Mas vamos deixar o filme um pouco de lado e falar sobre o jogo lançado no mês passado pela Telltale Games e ver se essa é uma aventura que vale a pena ou é só mais um jogo ruim baseado em filme. Welcome to Jurassic Park!

Jurassic Park: The Game começa sua história simultaneamente aos eventos do primeiro filme e avança até pouco depois que o Dr. Grant e companhia conseguem fugir da Isla Nublar. A trama envolve vários personagens. Em uma frente, temos Nima Cruz tentando reaver aquela lata com embriões de dinossauros perdida pelo Nedry no filme. Enquanto isso, o veterinário Gerry Harding (que faz uma ponta no longa) e sua filha Jessica são pegos de surpresa pela falta de luz nas cercas elétricas e têm que lutar pra sobreviver no parque cheio de dinossauros à solta. Por último, tem Billy Yoder, um mercenários enviados ao parque para resgatar os sobreviventes.

O começo da história, que se passa junto ao filme, se mescla muito bem à história original. Não tem nada ali que não poderia ter acontecido em relação ao que foi mostrado no cinema. Nós simplesmente não vimos porque o foco do filme estava nos outros personagens. Conforme o enredo avança e os eventos do filme ficaram pra trás, o ritmo vai caindo e as coisas vão ficando menos interessantes. Isso talvez se deva ao fato de não ser exatamente a história que é interessante no começo, mas sim o monte de referências que vamos pescando a cada cena. Quando essas referências acabam, o interesse vai embora.

Ainda assim, o jogo caminha mais ou menos bem até perto do fim. Misturando algumas cenas de ação interessantes (quando tudo dá certo e os controles não atrapalham) e partes mais calmas usadas pra estreitar as relações entre os personagens ou mesmo discutir questões éticas sobre o experimento que possibilitou a criação do parque, a narrativa consegue agradar. O grande problema está no capítulo final em que os autores parecem ter perdido toda a inspiração e apelam pra um festival de clichês e reviravoltas sem sentido para poder chegar ao clímax e fechar a história.

A organização do jogo em quatro capítulos também não ajuda. A Telltale vem lançando jogos nesse modelo nos últimos anos e este tem sido um negócio bem elogiado, já que é possível comprar cada capítulo separadamente e dividir os gastos ao longo de vários meses ou mesmo desistir da compra e economizar o dinheiro restante, caso os primeiros capítulos não agradem. Talvez duvidando do produto que tinha a oferecer, dessa vez todos os capítulos foram vendidos juntos, então cabe ao jogador levar o pacote todo sem sequer direito a uma demonstração ou não comprar nada. E sem a vantagem da compra por partes, essa estrutura não traz benefício algum. A história fica  picotada e cada capítulo meio que tem que fechar um arco. Apesar de contínuo, é como se tivéssemos jogado quatro pequenos jogos em sequência, cada um com uma introdução, desenvolvimento e conclusão. Pra ficar claro, pense como é a estrutura de um filme com começo, meio e fim, e imagine como seria ver um filme que na verdade é a junção de quatro capítulos de uma série de TV, cada um com seu próprio começo, meio e fim.

O lado “fan service” do jogo cumpre seu papel muito bem. A melodia de John Williams aparece aqui e ali, visitamos cenários do filme (como o centro de visitantes que já se encontra semi-destruído depois da passagem do T-Rex por lá), usamos os carros automáticos e vemos dinossauros a toda hora. Até aquela interface gráfica maluca do Unix que é usada pra reativar alguns dos sistemas do parque está presente em um puzzle do jogo.  Neste aspecto, quem é fã não tem do que reclamar.

Em um making-of do jogo, os produtores comentam como esse não seria “mais um jogo de atirar em dinossauros”. E é fácil entender o motivo do comentário, principalmente levanto em conta como adaptações de filmes para jogos são problemáticas e acabamos muitas vezes com longas sequências de troca de tiros só pra preencher espaço, mesmo que isso fuja do conceito do produto original. Aqui, essa abordagem diferente é muito bem-vinda. De fato, não faz sentido andar pelo parque atirando em cada dinossauro no caminho, mas a solução de jogabilidade encontrada para substituir os tiroteios não foi das melhores. Podemos dizer que o jogo é dividido em três partes: a conversação entre os personagens, usada para investigar um pouco mais sobre as motivações e sentimentos de cada um, e avançar a história; a resolução de puzzles; e, na maior parte do tempo, quick time events (QTE).

Praticamente qualquer ação feita no jogo é realizada através de quick time events. Nas cenas de ação, apesar de não ser o ideal, essa mecânica funciona bem. Algumas perseguições de dinossauros ficam bem tensas e eletrizantes e em alguns poucos momentos a combinação de botões dá a impressão que você realmente realizou uma ação importante, ao invés de simplesmente acertar uma sequência qualquer para progredir. Em outras partes, os QTEs beiram o ridículo. Em certa parte, por exemplo, existe toda uma sequência de botões para simplesmente se agachar e olhar uma pegada mais de perto no chão.

Muitas coisas que geralmente são feitas de forma automática em jogos ou no máximo exigem que um botão de interação seja pressionado, aqui viram QTEs tediosos e sem vida. Fica evidente como esses eventos foram introduzidos em diversos lugares só para dar corpo ao jogo e não só tentar prolongá-lo (a história toda, com várias mortes no meio, dura umas seis horas), mas também tentar dar uma cara mais de jogo a algo que parece um grande filme interativo.

Os QTEs são também o único momento onde é possível falhar no jogo. A falha pode ou não resultar em morte, sendo que em vários momentos o resultado visual de uma falha é o mesmo de um sucesso. O que muda é a “pontuação” que o jogo calcula para cada cena que resulta em uma medalha no final da sequência. Essas medalhas são a única coisa que podem atrair uma segunda jogada, mas cada cena de cada capítulo pode ser jogada separadamente depois de desbloqueada, então não é preciso passar por todo jogo novamente para tentar conseguir ouro nas cenas em que isso não foi possível da primeira vez.

Os puzzles não são muitos, mas seguem um padrão que vão divertir quem gosta deste tipo de jogabilidade em jogos como Resident Evil, por exemplo. Uma ideia interessante é que vários puzzles são resolvidos por mais de um personagem ao mesmo tempo, então é preciso trocar entre eles conforme a necessidade e tomar ações distintas com cada um, incluindo fazer pedidos ou mandar ordens para os outros no momento certo.

Sobre os diálogos, não há muito o que falar. Em cenas mais paradas, é possível conversar com os personagens e tentar descobrir um pouco mais do seu background. E em alguns momentos é só uma questão de escolher a fala certa para fazer a história avançar. A qualidade dos diálogos não é das melhores também e vários conceitos são martelados na cabeça do jogador a toda hora para reforçar o roteiro (como o constante atrito entre o Dr. Harding e sua filha, ou o motivo “nobre” que leva Nima à ilha).

O jogo sofre ainda de um nível preocupante de esquizofrenia. Eu explico: a maior parte dos diálogos acontece entre personagens controlados pelo jogador. Em momentos diferentes, você tem que executar ações e tomar decisões com cada um desses personagens. Mas, quando convém, o controle é tirado da sua mão e você tem que usar a lábia de outro personagem para convencer um primeiro a fazer algo que você quer. O pior é quando o jogo decide que é uma boa ideia te colocar em um diálogo onde você controla ao mesmo tempo os dois interlocutores, escolhendo a fala de cada um. Nesse ponto, a impressão que dá é que você é mais um “deus” controlando aquelas pessoas de uma posição superior do que um dos personagens metido naquela aventura.

Na parte técnica, apesar de simples, os gráficos dão conta se for levado em conta que este é um jogo de baixo custo e distribuído por download. As animações dos personagens são bem fracas e os closes em diálogos deixam claros a falta de detalhes nas expressões faciais. Mas os cenários são bonitos e recriam o parque com competência. Os dinossauros estão muito bons. Seu visual é interessante e o som está ótimo. É impossível escutar o rugido do T-Rex e não lembrar das cenas mais assustadoras do filme. A música aparece pouco e não traz nada demais, exceto pelas trilhas tiradas do filme que são excelentes e surgem nos momentos certos.

Enfim, Jurassic Park: The Game é um jogo difícil de recomendar. Quem não é fã de Jurassic Park dificilmente vai ver algo aqui que lhe agrade. E mesmo para os fãs, não é um produto fácil de engolir. Mas, sabendo dos problemas e aceitando que na maior parte do tempo você vai estar apertando botões a esmo que vão surgindo na tela, essa é uma boa oportunidade de revisitar as locações do filme e vivenciar situações como ter que ficar parado com um T-Rex meio metro a sua frente para não ser visto ou fugir desesperadamente de um grupo de velociraptors famintos.

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