A Mitologia da Terra-Média surgiu em meados da metade do século passado, fruto do trabalho de J.R.R. Tolkien. Tolkien que era um exímio escritor, nessa época fazia parte dos Inklings, grupo composto por muitos professores de Oxford, dentre os quais C.S. Lewis, cuja amizade com Tolkien gerou frutos extraordinários na vida de cada um.
Para quem não sabe, C.S. Lewis é um cristão, apologista e escritor, cuja obra mais famosa são as “Crônicas de Nárnia” e também a trilogia cósmica, composta pelos livros “Além do Planeta Silencioso”, “Perelandra” e “Aquela Força Medonha”. Lewis que era ateu, tornou-se cristão após diversas conversas com Tolkien (que era cristão), e dessa amizade outro fruto foi O Hobbit e posteriormente a saga do “Senhor dos Anéis”. Tolkien enfrentou sérias dificuldades em escrever esses livros, uma vez que houve a demanda de um trabalho e esforço extraordinário criando todo um universo, com povos ricos culturalmente, alfabetos próprios, enfim… E isso não seria possível sem a ajuda de Lewis, ouvindo atentamente todos os rascunhos e ajudando com sua criatividade. Enfim, quem se interessar e quiser saber mais sobre o assunto recomendo a leitura de “Tolkien e C.S. Lewis: O Dom da Amizade” de Colin Duriez e também a biografia do Alister McGrath “A Vida de C.S. Lewis”.
Mas vamos falar sobre VIDEO GAMES agora! Há muito, muuuuito tempo mesmo que não temos um bom jogo baseado no universo da Terra-Média. Se não me falha a memória, o último jogo que gostei de jogar foi “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres” lançado para o antigo Playstation 2. Desde então, uma série de jogos meia boca foram sendo lançados, em sua maioria, tentativas de reaproveitar o roteiro dos filmes, com uma ação empacada, combates pouco empolgantes e gráficos simplórios.
Quando pensava em Senhor dos Anéis, via de regra, eu desejava um game com uma boa trama que conseguisse ser empolgante (não necessariamente com a mesma temática dos filmes) e, especialmente, batalhas épicas. Poderiam ser – de preferência – batalhas envolvendo exércitos enormes ou simplesmente batalhas em menor escala, mas que conseguissem retratar todo o clima da mitologia de Tolkien, envolvendo lutas ferozes e dramáticas.
Ao jogar Middle-Earth: Shadow of Mordor, tive uma experiência agradável, satisfatória e vi um jogo honesto que deixa a trama dos livros e filmes para trás e procura trilhar um caminho próprio, explorando outros aspectos desse universo que é tão rico.
A trama de Shadow of Mordor se passa entre os acontecimentos de O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Jogamos com Talion, um patrulheiro (ranger) de Gondor responsável por errr… patrulhar (dert) o Portão Negro nas terras de Mordor. Talion vivia nessa região com sua esposa e filho (que ele como um bom pai, treinava para servir Gondor um dia). Tudo ia muito bem, até que um bando de Orcs liderados por um ser denominado “The Black Hand of Sauron”, o qual inflige a morte de sua mulher, filho e, também, do próprio Talion em meio uma espécie de ritual para despertar alguma entidade maligna.
Nesse ponto, entra em cena o segundo protagonista do game: Celebrimbor. Este é um espírito que vagava pelo Portão Negro (semelhante aos espíritos amaldiçoados de “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”) e que “possui” o corpo de Talion, trazendo o mesmo de volta a vida e, agora, passando ambos a habitar o mesmo corpo.
Formando este “dueto”, Talion e Celebrimbor partem numa jornada por Mordor em busca de vingança e de derrotar esse mal que ameaça a Terra-Média. Nessa jornada, Talion deve encontrar tesouros de Celebrimbor que de alguma forma, trazem de volta a mente do mesmo memórias do seu passado e que vão abrindo novas habilidades para o protagonista.
Ao longo da história Talion encontra outros personagens, em sua maioria originais da trama e outros que os fãs de longa data já conhecem. Na realidade, esse personagem é colocado no jogo muito mais como um “fan service” do que como algo realmente necessário dado a sua pouca relevância na trama do game.
Shadow of Mordor é um bom exemplo de que é possível angariar elementos de diversos jogos de sucesso e ainda assim, apresentar um produto que possui um “espírito” próprio. Num primeiro momento, já é possível extrair diversos elementos de Assassin’s Creed como a movimentação entre as construções, as finalizações e uma espécie de “Visão dos Assassinos” (que é uma visão no controle de Celebrimbor) em que é possível ver inimigos por trás das paredes, itens secretos e itens que recuperam a energia.
Ao iniciar um combate imediatamente virá a cabeça os jogos da franquia Batman Arkham. Podendo ocorrer raramente contra um inimigo solitário, via de regra, serão recorrentes as situações em que Talion se verá cercado de inimigos. O combate segue o esquema de Batman, com (no caso do console da Sony) o apertar do quadrado temos os combos principais, o uso do triângulo para o counter, o botão Círculo sendo utilizado como um “Stun” e depois a combinação dos demais na utilização de finalizações e outros golpes. Temos ainda, o uso do arco e flecha mágico que desempenha um papel interessante, garantindo o sucesso em muitas missões de caráter furtivo. Saber utilizar e combinar os golpes é essencial, uma vez que, como dito, normalmente enfrentamos hordas de inimigos que cercam Talion e, portanto, desferem ataques múltiplos das mais diversas direções, assim, saber desviar e utilizar variações e itens do cenário (como fogueiras) é importante para sair vivo dos combates.
A grande sacada do game é o sistema de hierarquia dos Orcs. Para enfrentar The Black Hand e obter sua vingança, Talion deve enfrentar praticamente todo o exército de Orcs que o cercam e, para tanto, enfrentará desde soldados rasos, capitães e até os chamados Warchiefs. Interessante também é o sistema de progressão com Orcs disputando patentes, sendo promovidos e galgando posições dentro da hierarquia do exército e ainda, a interação para com os jogadores, uma vez que quando, por exemplo, Talion é morto por um capitão, ao encontrá-lo novamente é recebido com mensagens de “Você de novo?! Eu matei você!” ou “Está pronto para morrer novamente?”.
Além de Orcs há animais típicos da Terra-Média como os Caragors, que são feras de quatro patas que atacam tanto humanos, quanto orcs, ou ainda, os Graugs, que são criaturas gigantes que normalmente vivem dentro de cavernas, mas que ocasionalmente saem para fora e atacam tudo que veem pela frente e ainda, os Ghúls, as quais são criaturas das trevas que vivem nas cavernas, mas que durante a noite atacam vilarejos, normalmente em bandos.
A união entre Talion e Celebrimbor rende diversos ataques especiais. No entanto, para os rumos da trama e no sistema do game, o ataque em que se controla a mente de um outro Orc se torna essencial e uma ótima ideia. Ao controlar determinados Orcs, é possível infiltrá-los dentro do exército de The Black Hand e assim criar diversas situações chaves e épicas que são presenciadas pelo jogador no decorrer da trama.
É necessário ainda dizer que os itens colecionáveis são interessantes. Diferentes das pegadinhas do Charada dos jogos do Batman, os colecionáveis de Shadow of Mordor me interessaram e me mantiveram ocupado por mais algumas horas. A busca é facilitada pela rapidez na locomoção pelo mapa fruto de Torres mágicas, em que são liberadas ao serem escaladas e rolar uma espécie de “sincronização” aos moldes de Assassins Creed e, a partir de então, a Torre se torna um ponto de teletransporte.
Graficamente o jogo é muito bonito. Apesar de retratar basicamente apenas a região de Mordor, ter alguns pontos parecidos e coisas do tipo, os cenários são bem modelados e retratam o clima inóspito do lar de Sauron. A modelagem dos personagens é muito bem feita, especialmente dos Orcs e Uruk-hais, fora os efeitos de iluminação que, sem dúvidas, estão entre os mais belas desse início de geração. Corrobora com isso o recém adicionado mecanismo de fotos, que tem se tornado comum nos games atuais, permitindo tirar fotografias elaboradas das batalhas, das paisagens e do game.
Shadow of Mordor é uma surpresa nesse segundo semestre que em meio a tantos jogos que não fizeram jus à mitologia de Tolkien, conseguiu apresentar uma trama que, apesar de não ser espetacular, possui originalidade e se sustenta, com um protagonista que perdeu a família e acaba fazendo com que o jogador se importe e se compadeça de sua dor. Há ainda, um sólido sistema de combate que se encaixa muito bem na proposta do game e faz deste um dos melhores games desse fim de ano. As únicas ressalva que faço é sobre a pouca diversidade de raças que aparecem no game. Realmente gostaria de encontrar outros seres da Terra-Média como anões, elfos e – talvez – hobbits (quem sabe num próximo game, não é mesmo?) e a luta final que, apesar de não dar os detalhes, está entre as mais simplórias da história.