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Como um shooter das antigas

spacewar
Havia um silêncio incômodo naquele canto da galáxia. Pela janela, o capitão ainda podia ver, à distância, os destroços da batalha que acabara de chegar ao fim. Foi uma luta longa e trabalhosa. Por pouco não foi sua última, pensou.
Não haveria muito tempo para descanso, no entanto. Ele sabia que em poucos instantes uma nova leva de inimigos chegaria. E desta vez, mais bem preparados, com melhores armamentos, melhores defesas e, quem sabe, até maior determinação em vencê-lo.
Pensar no futuro, ainda que iminente, não era sua prioridade no momento. Sua nave havia sido severamente punida em seu último combate – mas nem tanto quanto as naves inimigas, diria o capitão – e reparos eram necessários, caso ele pretendesse estar minimamente preparado para o que estava por vir.
Apertou botões, moveu alavancas, girou válvulas. Aos poucos, os mostradores em sua tela exibiam resultados um pouco mais otimistas. Do vermelho, símbolo universal de “estamos ferrados” para indicadores azuis e verdes, que lhe diziam que os escudos estavam de volta à ativa e que os buracos na fuselagem haviam sido todos reparados.

*****

O capitão não se lembrava ao certo por quanto tempo estivera ali. Aquilo estava durando mais do que esperava, mas, quem sabe, a próxima horda de oponentes seria a última? Isto não poderia durar para sempre, poderia?
Um barulho ruidoso vindo de seu estômago foi o suficiente para lembra-lo de que estava ficando faminto. Não havia, porém, tempo para parar e satisfazer suas necessidades. Ainda tinha forças para lutar por um bom tempo sem se alimentar, se isto lhe fosse exigido. Seu dever, naquele momento, parecia mais importante.
Seja como fosse, verificou mais uma vez suas armas, garantindo que estaria preparado quando eles viessem. Satisfeito, observou as melhorias que fizera na última vez em que esteve em terra firme. Um planetinha pegajoso, esquisito e fedorento – que compartilhava essas características com seus habitantes, não pôde deixar de acrescentar, o capitão – escondido em um dos cantos remotos do universo.
Chegara àquele lugar atrás de um alvo, estipulado pelo comando na capital. Não obtivera muito sucesso neste sentido, pois a caça lhe escapou por um fio, em uma perseguição pelas cavernas subterrâneas daquele lugar. Não foi uma viagem de todo perdida, porém. Para sua sorte, aquele povo se empenhava, com bastante devoção, à manutenção e melhorias de todo tipo de nave espacial que, por desventura de sua tripulação, por ali passava.
Os espólios encontrados nos subterrâneos, sobras de incursões anteriores que não tiveram a felicidade de retornar à pantanosa superfície daquele planeta novamente, eram tudo o que os pequenos e levemente retorcidos mecânicos que encontrou no espaço-porto precisavam para dar uma nova vida à sua velha e gasta nave.
Entre consertos e pequenas melhorias nos escudos e nos sistemas de alarmes, e também nos foguetes que lhe dariam maior mobilidade em meio aos inimigos, o grande destaque, o grande prêmio que valeria a pena todo o tempo que passou ali, tendo que aturar aquele povinho estranho e aquelas paisagens bizarras: um grande e brilhante canhão de íons. Um dos modelos mais caros, é bom dizer. Usado quase que exclusivamente por poderosas naves de combate da elite vinda da capital. Poderosas naves que tinham pouco valor sem um habilidoso piloto, sorriu o capitão pra si mesmo, pensando nos destroços de onde o canhão fora recolhido.

 *****

Quando as luzes começam a piscar e uma voz robótica, a mesma que já ouvira dezenas de vezes antes, inicia sua missão de proferir, em intervalos milimetricamente cronometrados, uma mensagem de aviso, o capitão sabe que os inimigos estão ali.
Voltando à sua posição de comando, ele observa calmamente no vazio lá fora, esperando pelos primeiros sinais de movimento. Para aqueles que nunca estiveram em combate, a ansiedade e animação, claramente visíveis em sua expressão, podem parecer estranhos. Mas o capitão diria que, a ansiedade pela chegada dos inimigos e animação que tomava seu corpo enquanto os combatia, era justamente o combustível que ele precisava para se dedicar totalmente à batalha e, se tudo desse certo, mais uma vez sair vitorioso, como nas incontáveis vezes anteriores.
Agora já os conseguia ver em seus instrumentos de bordo. Pequenos pontos esverdeados em um monitor que varria os arredores. Simples pontinhos de luz em uma tela, só isso. Pontinhos de luz ferozes e mortais que, antes de que pudesse pensar muito, estariam disparando todo seu armamento em sua direção, buscando vingar os companheiros derrotados nas batalhas anteriores e impedir que o capitão terminasse sua missão, a qual atravessou meia galáxia para cumprir.
O número de pontinhos luminosos não parava de crescer. E ele sabia que além daqueles, próximos o suficiente para serem detectados por seu equipamento, ainda haveriam muitos outros. Talvez alguns pilotos da elite inimiga, com naves com armamentos mais mortais e defesas mais difíceis de penetrar. E, ao fim, provavelmente um grande cruzador capaz de esmagar qualquer piloto cujas habilidades não estivessem no mesmo nível que as suas.
Este era o modo de operação das forças inimigas. Ele já vira isto antes e não havia razões para pensar que desta vez seria diferente. Nunca entendera o motivo para não usarem todas suas forças de uma só vez, mas tinha seus palpites. Talvez tivessem confiança de que uma nave solitária não seria páreo para o poder de fogo contido em cada onda de ataque. Talvez questões operacionais impedissem o movimento de tantas naves juntas. Talvez quisessem lhe dar uma chance, pensando que não seria justo atacar com todas as forças um único e solitário defensor.
Mas não importava. Que viessem um de cada vez, se possível. O capitão já tinha muito o que se preocupar para sua própria sobrevivência para dedicar mais do que alguns segundos às táticas de guerra inimigas. No pior dos casos, alguém seria despedido e este alguém não seria ele.

*****

O primeiro disparo passou zunindo à sua frente, em um feixe de luz que seria muito mais bonito se não carregasse o poder de pulverizar qualquer obstáculo que encontrar pelo caminho. O tiro foi um alerta muito mais vivo do que a incessante voz robótica que lhe lembrava da presença inimiga desde que os primeiros pontos apareceram na tela verde do seu radar.
Seu segredo era nunca ficar parado. Um alvo em movimento é muito mais difícil de pegar. Iniciou uma curva para sua esquerda e partiu atrás do autor do primeiro disparo. Um breve sentimento de vingança, que serviria como uma motivação a mais naquele instante.
Como já esperava, nem aquele, nem os próximos alvos foram muito trabalhosos de se caçar. Eventualmente, um ou outro disparo lhe atingia em cheio, provocando um chacoalhar desagradável da cabine e um mais desagradável ainda balé de luzes amarelas e vermelhas dos sistemas de alarmes da nave. Mas os níveis de energia dos escudos ainda estavam em níveis bastante altos e não demandavam nenhuma atenção especial.
Pouco a pouco, aquele canto da galáxia foi novamente se enchendo de destroços. Ligas metálicas chamuscadas e retorcidas, resultado de uma pontaria invejável do capitão. Apesar da desvantagem numérica, em muitos momentos o papel de caça e caçador se invertia, com o capitão colocando sua nave no encalço de inimigos em formação, incapacitando seus escudos com disparos de lasers e bombas, mas poupando seu canhão de íons – seu orgulho – para momentos mais importantes.

*****

Poucas coisas nessa galáxia são tão previsíveis quanto as táticas de combate daqueles inimigos e, como o capitão já esperava, as coisas começaram a ficar mais difíceis quando naves de combate maiores e melhor equipadas começaram a ser detectadas por seus instrumentos.
Ainda assim, resistiu bem. Usando de manobras evasivas aprendidas com muita prática, a nave ainda contava pouco com seus escudos para lhe salvar, conseguindo evitar a maior parte da artilharia inimiga. Sua agilidade pelo campo de batalha também lhe colocava muitas vezes em posição favorável, atacando pontos cegos do inimigos, lhes acertando sem sequer ser visto.
Foi um combate longo  e cansativo. Cada vez que novos inimigos surgiam, eles pareciam estar em maior número e com melhores armamentos. Eles nunca representaram um verdadeiro perigo – não para uma nave pilotada por aquele capitão, pelo menos –, mas aos poucos foram minando suas forças, o enfraquecendo mais e mais para os obstáculos vindouros. Afinal, talvez suas estratégias de guerra não fossem tão sem sentido assim.
Seus escudos já estavam chegando a níveis perigosamente baixos e a munição de seus armamentos já começava a se tornar escassa – até mesmo os canhões de íons, que economizara bastante – quando uma grande mancha verde foi desenhada pela combinação de muito e muitos pontos luminosos na tela do seu radar. Nem era preciso olhar para confirmar, mas o capitão olhou assim mesmo. Um enorme cruzador avançando lentamente para engolir o capitão e sua nave.

*****

 Não  era a primeira vez que enfrentava um cruzador daquele tipo, lembrou ao mesmo tempo em que um resmungo do seu estômago lhe recordou que sua fome só aumentara desde a última vez que havia pensado no assunto. Foi em uma missão de resgate estúpida e sem propósito que um cruzador inimigo quase acabou com sua nave, salva por sua habilidade no manche e por um grande estoque de bombas de contato adquirido ao longo de diversas missões anteriores.
Vendo por outro lado, porém, aquele embate lhe serviu de aprendizado. Foi preciso voar próximo à superfície do cruzador e identificar seus pontos de maior fraqueza para que suas bombas tivessem algum efeito sobre o gigantesco inimigo. Com um pouco de sorte, a repetição desta tática traria um resultado favorável.
Mas, em suas muitas missões o capitão também aprendera que raramente as coisas são tão simples. Provavelmente aquele cruzador, justo aquele que cruzou seu caminho, teria comportas reforçadas, canhões de defesa novinhos ou escudos em capacidade máxima, enfim, qualquer coisa que fizesse desse um encontro bem diferente do anterior.
Ainda que isto representasse uma dificuldade a mais, um percalço no caminho para terminar sua missão, havia algo neste tipo de variedade, na forma com que os inimigos sempre pareciam mudar um pouquinho que seja, que deixava o capitão contente. Afinal, que graça teria se arriscar nos cantos mais hostis da galáxia sem um desafio adequado, pensou.

*****

Os alarmes soavam de forma incessante. Suas defesas estavam prestes a falhar em definitivo, o capitão podia ver nos mostradores que ainda funcionavam. Contornar o gigantesco cruzador a fim de identificar seus pontos-fracos foi mais difícil do que o esperado e a nave acabou sendo castigada demais no processo.
Os controles já não respondiam tão bem àquela altura e mesmo os inimigos menores, que antes não representavam o menor perigo para o experiente capitão, agora já eram um obstáculo grande demais para ser vencido.
O cruzador fez um giro íngreme, se posicionando diretamente à frente da pequena nave. Um enorme monstro prestes a engolir um inseto, era a impressão que alguém teria se estivesse vagando pelo espaço numa hora daquelas. Um grande canhão frontal começou a ser carregado e o capitão tentou, o mais rápido que pôde, retirar-se do caminho.
Um feixe de luz púrpura veio de encontro à sua nave. Mais rápido do que qualquer reação que um piloto, mesmo o melhor dos pilotos, pudesse ter numa hora dessas. Engoliu a pequena nave. As asas se separando da cabine, as placas de proteção se soltando, os armamentos se espatifando, e enfim tudo se partindo ao meio.

 *****

Sentiu uma mão em seu ombro esquerdo. Olhando para a tela, viu sua nave destruída e uma mensagem que dizia que a jornada havia terminado. Sobre o painel ainda estavam mais duas fichas. Virou-se, no entanto, em direção à mão que lhe chamava. Estava faminto. Jogaria novamente mais tarde, quem sabe conseguiria superar seu próprio recorde, mas, por hora, era melhor atender sua mãe e ir logo atrás de um Big Mac. Talvez fosse aquele ronco no estomago o tenha feito perder…

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