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OnLive: lendo as letras miúdas

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Você pode nunca ter ouvido falar de Steve Perlman, pelo menos até essa semana. Hoje podemos concluir, entre outras coisas, que ele tem mais em comum com Steve Jobs, CEO da Apple Computers e responsável pela massificação do uso dos campos de distorção de realidade temporal, que somente o nome. Perlman provavelmente atendeu às aulas de Hyping 101 com Jobs, e devem até mesmo terem feito algum trabalho em equipe juntos.

Steve Perlman é o fundador da rede de serviços OnLive, que debutou ontem, com uma repercussão assustadora. Serviço este que promete ser a grande revolução na indústria de games deste século, já considerando que a indústria de games não tem ainda um século de existência.

A idéia é, basicamente, ligar uma placa de rede naquele 486 DX/2 66MHz que você usa como peso de porta, colocar um Speedy UTOPIA de 60 TBPS nele e jogar Crysis no máximo, fazendo o processamento no OnLive e recebendo somente o vídeo em streaming.

Parênteses agora para um pouco de minha saga pessoal:

  • Eu odeio The Strokes, por causa do hype que a MTV fez em cima deles;
  • Eu nunca joguei Spore, por causa do hype;
  • Somente essa semana eu criei uma conta no Twitter, que vai de mal a pior e irei excluí-la. Por causa do hype.

Sim, eu sou uma pessoa amargurada na vida, odeio tudo o quanto é tipo de hype, de forma que quando alguma coisa é anunciada como tal, eu passo ANOS ou VIDAS até experimentar. Você foi avisado.

Por outro lado, isso me torna invulnerável a hype. Enquanto todo mundo está chorando pelo lançamento do iPhone como se fosse a segunda vinda de Jesus Cristo ou da chegada dos marcianos, eu estou escovando os dentes e me vestindo para ir trabalhar.

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Depois que até o Fábio Bracht caiu na onda, eu percebi que até o próprio hype está hypeado.

Hora de vestir o colete e ir pra a guerra.

A melhor forma de entender o que está acontecendo é ler nas entrelinhas do que é falado. O Bracht mencionou uma entrevista com o Sr. Perlman, que acredito ser a fonte ideal de entrelinhas para ler.

O original está em inglês, abaixo resumido, meus comentários em português. Logo, se quer ter uma visão pré-interpretada da coisa, visite o artigo original. Perguntas, respostas e comentários abaixo, nesta sequência.

***

Multiplayer: (…) What kind of stress tests have you already put this service through and what can you say to people who doubt this can work as well as you say?

Steve Perlman: (…) [One of the publishers], as well as nine others who also put OnLive “through the ringer” are now showing their games on the GDC show floor. They wouldn’t have done that without thoroughly verifying that OnLive works at least as well as a console, PC and Mac.

(…) It took many years of development, testing, and refinement to get it to work through the vast range of Internet hookups in the home (…). OnLive has been tested in hundreds of homes through the US, through a wide range DSL, cable modem and fiber connections, and through any manner of consumer firewalls, routers, switches. (…)

Gustavo Vasconcelos: Resposta curta do Steve para “que tipos de testes de stress vocês fizeram no sistema”: “vários, todos dentro dos EUA e em ambientes controlados”. Não se menciona testes fora do país. A citação de firewalls, routers, modems e switches é puro technobabble, já que as configurações dos mesmos serão os problemas mais simples que um sistema desses pode enfrentar. Aqui vale a máxima dos PR: fale muito, deixe que sua audiência se perca. Use termos técnicos. O ideal é que, quando você terminar, eles nem se lembrem mais de qual era a pergunta.

 

Multiplayer: Certainly, you’re not the first people with this idea. Why don’t you think anyone has pulled this off before?

Perlman: (…) because it’s an immensely difficult technical and practical execution challenge (…). To make OnLive work involved fundamental work in psychophysical science; custom chip, hardware and wireless engineering; complex real-time software (…), and real-time network engineering down to the sub-packet level. (…)

(…) Given the immense multi-disciplinary complexity of OnLive, the time that was required to address the practical execution issues, and the fact we have over 100 patents and patents pending, we think it is unlikely there will be another system like OnLive anytime soon.

Gustavo Vasconcelos: Pergunta: “Por que ninguém mais tentou fazer o mesmo até agora?”. Resposta: Bullshit. E da mais alta classe. “Psychophysical science”? Mas que MERDA é essa??? Como diabos alguém cai nesse papo? A infraestrutura do OnLive não precisaria de psycho-qualquer-coisa. Apenas de uma quantidade maciça de CPU e banda larga. Qualquer um é capaz de escrever um driver de vídeo que capture isso, codifique e envie pela rede. Para que diabos foi necessária “reengenharia de redes de tempo real no nível de sub-pacotes”? Technobabble do mais alto nível! No final das contas vai ser tudo por TCP/IP mesmo, um protocolo de mais de 30 anos de idade e que, com certeza, será o gargalo do sistema. Atenção para a citação de patentes. Discutiremos isso no final.

“Por que ninguém fez isso antes?”, pergunta a Multiplayer. “Por que todos tiveram bom senso”, respondo eu.

 

Multiplayer: What kind of gamers do you hope this kind of service could attract at launch and how is that guiding which publishers you’re courting now and which game libraries you hope to get into this system?

Perlman: The low cost of the service is a selling point for gamers of all types and skill levels — particularly those who might have been priced out of the previous cycles or simply gave up on trying to keep up with ever-evolving technology. (…) The goal is to provide a wide variety of games that will appeal to a broad range of gamers who increasingly expect their entertainment On Demand.

Gustavo Vasconcelos: “Que tipo de gamers são o alvo?”. Se o alvo é quem perdeu o bonde da tecnologia, a intenção de atingir um público que teoricamente acessa a uma velocidade inferior à da média chega a ser contraditória. E o papo de atingir tanto jogadores casuais como hardcores já virou tão clichê que não merece comentários. Se depender da EA, Dead Space também iria agradar jogadores casuais.

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Multiplayer: Continuing in that vein, do you imagine OnLive as a good option for people who feel priced out not just of PC gaming but from even $250 Wii gaming?

Perlman: Sure, there is no question that the OnLive platform will have the lowest cost of entry for a new user. But (…) OnLive also will certainly be catering to gamers who are less price sensitive, and are seeking the highest performance games, and also it will be opening up a universe of games to Mac users who, before OnLive, have had a very limited selection.

So, side-by-side with Wii, yes the OnLive MicroConsole is far less expensive, but it is also the most powerful video game system in the world and constantly evolves in performance (…).

Gustavo Vasconcelos: “OnLive é uma boa opção ao Wii?”. Isso merece uma atenção especial. Por que é citado um vídeo-game que é a definição de “jogos casuais” para um sistema cujos benefícios são maiores se aplicados a jogos AAA? Porque ele é o mais vendido, e quando se prepara um produto para ser hype é importante citar o nome de alguém de sucesso. Os Beatles, por exemplo, eram mais famosos que Jesus, lembram? E não me venham dizer que quem citou o Wii foi a Multiplayer, é óbvio que essa entrevista foi acertada entre os dois. Se você não entendeu isso ainda, bem vindo ao mundo real.

 

Multiplayer: What PC spec do you expect OnLive to be able to perform at when the service launches? And how do you project that spec to increase over the course of, say, OnLive’s first 12 months. How much more horsepower is the end-user going to feel like they’re getting?

Perlman: OnLive will initially support Windows XP, Windows Vista and Intel-based Macs running OS X. No GPU or fast CPU is required. Entry-level PCs and Macs provide the same experience as high-end PCs and Macs.

The PC or Mac required spec does not change over time. In three years, an entry-level PC bought today will still be able to play the then highest performance OnLive games. (…) The desktop (or MicroConsole) computing requirements remains the same.

Gustavo Vasconcelos: “Quais as especificações mínimas do OnLive e qual a perspectiva de aumento dessa esppecificação?”. Essa é ótima. Então vejamos, eu sou um puta profissional da área de games e estou entrevistando um cara que lançou um sistema que permite que jogos de baixo poder de processamento executem títulos de última geração. Perguntar qual a configuração recomendada já é estranho, pois é óbvio que seria a menor possível disponível no mercado no instante da entrevista.

Mas por que diabos eu perguntaria qual o aumento das especificações mínimas do sistema depois de um ano? Eu sou retardado?

Não, eu preciso perguntar isso para que o entrevistado tenha a chance de responder, afinal de contas foi isso que foi acertado com ele antes de começar a “entrevista”. Perguntas certas para respostas certas.

 

Multiplayer: (…) How can you pull this off without exclusive games that make OnLive a must-purchase?

Perlman: (…) With OnLive, there is no upfront cost or hassle: you can try out a demo of any game with the PC or Mac you already by just downloading a browser plug-in. (…)

So, we don’t see OnLive as an either/or proposition with gamers. We see it as expanding the market, and indeed, think that many console gamers will use OnLive as well as their consoles.

Secondly, OnLive does have “exclusive content” of a sort. For example, we are the only way you can play high-end games like “Crysis Warhead” on a TV or entry-level PC or Mac. (…) OnLive is also the only way for Mac users to play a wide range of PC-only games within OS X.

And, in time, there will be very high-performance OnLive-only games that utilize multi-GPU multi-core servers, GigE networks and RAID arrays in the OnLive server center. There will be no home-based systems at all that will be able to run such games.

Gustavo Vasconcelos: A pergunta original não foi respondida (“como o OnLive espera ser um produto relevante sem a presença de títulos exclusivos?”). Porém, três respostas foram dadas a três perguntas que não foram feitas. Vamos à elas:

1 – “Quão fácil é se utilizar o OnLive?”
É uma ótima pergunta porque é justamente a premissa do sistema. É como perguntar “quão gostoso é esse Petit Gateau” para o garçom. Aqui nós queremos chamar a atenção do usuário leigo e de baixa classe social, que não tem um equipamento hi-def.

2 – “É possível chamar de exclusivo um conteúdo que foi lançado para várias plataformas mas nunca foi muito massificado por algum requerimento técnico?”
Não, não tem absolutamente nada a ver com o assunto e nem deveria estar na entrevista, mas podemos arbitrariamente dizer que disponibilizar um jogo que nunca foi publicado para Mac como sendo exclusivo da rede OnLive. Assim como dizer que Crysis é exclusivo do OnLive porque ninguém no mundo tem máquina para rodar aquilo. Este tópico foi direcionado aos proprietários de Macs e outras plataformas que, mesmo sendo modernas, não puderam rodar determinado jogo. Um tiro de sniper no coração destes usuários ressentidos da indústria por que foram esquecidos.

3 – “Podemos prometer para o usuário uma experiência de última geração, de forma que ele não se sinta excluído, ou algo que ele nunca esperaria ver na sua casa?”
E fechamos o ciclo, desta vez direcionando nossos comentários para o usuário avançado, tanto aquele que quer estar na crista da onda mas não tem verba para acompanhar o ciclo rampante de evolução tecnológica quanto aquele que acha que nasceu 10 anos cedo demais e reza todo dia para ser criogenizado e acordar um dia para ver o futuro.

 

Multiplayer: Refresh my memory: how many seconds (or fractions of a second) will it take from boot-up of OnLive to playing a game on the service that I’ve never played before? Or a demo? Can you calculate that?

Perlman: OnLive takes a few seconds to test your connection, and then it depends on the user of course (…). If a user knows where to go, he or she can start playing any game in a matter of seconds.

I just timed our Beta service running on Vista through my cable modem. From the point I clicked to start OnLive to the point where a game was starting up was eight seconds. (…)

Once OnLive is connected, though, you don’t have that initial connection test, so if you quit a game and start another one, that can happen in one or two seconds, again, primarily limited by your ability to deftly click buttons.

In terms of technical limitations, OnLive switches from one server (e.g. playing a game) to another (e.g. running the user interface or running another game) in 1/60th of a second.

Gustavo Vasconcelos: A pergunta, “Me ajude a lembrar, quantos segundos (ou frações de segundos) são necessários do boot do OnLive para começar a jogar que nunca foi aberto antes? Ou um demo? Você pode calcular isso?”. Traduzi na íntegra essa, para que fique bem claro…

“Refresh my memory”??? Okay, eu vou relevar isso.

Continuando, percebam a quase ausência de números. Uma pergunta onde constam as palavras “quantos” e “calcular”, e a resposta é cheia de “poucos segundos”, “depende da navegação”. Esta é a resposta para jornalistas ou blogueiros com conhecimentos técnicos e sedentos por especificações, techsheets, etc. Ao invés disso, recebem números vagos e vários “depende”. Exemplo prático: 1/60 segundos para mudar de servidor. Isso são 16ms, a latência básica para uma conexão entre dois hosts no mesmo país (e esse país não é nem Brasil e nem Bangladesh). É óbvio que essa é a velocidade de mudança de servidor!

 

Multiplayer: Should independent developers look you guys up or are you only working with big publishers?

Perlman: (…) As you will see at GDC, we’ve already got one independent on board: 2D boy. (…)

Gustavo Vasconcelos: “A praia está aberta para games indies?”. Esse pessoal da 2D ganhou tanta grana (ou benefícios) para entrar nessa. Um deles foi a carona no hype. Se deram muito bem.

 

Multiplayer: Your concept is an exciting one. Do you expect Microsoft/Sony/Nintendo to follow you in this direction of cloud-console-gaming? How soon? Or, if not, why not?

Perlman: (…) one of these companies would be motivated to clone OnLive’s capabilities, and if so, how long would it take:

(1) Whether they are interested in cloning OnLive is a better question to ask them. (…)

(2) If they are interested, whether they can clone (…). OnLive was an immensely complex engineering effort (…) it will take years to clone with a world-class development team. But (…) we expect they’d have a very difficult time getting around OnLive’s patents. (…) OnLive’s patents also cover the layers of all the technology built on top of that compression that would be necessary to deliver a practical video game service offering. The first patents expire in 2022, so we have at least 11 years to establish our business before there is a clone.

Gustavo Vasconcelos: E agora chegamos ao ponto X da questão. Durante o desenrolar do cado SCO x Linux, alguém no Slashdot deixou uma frase que me chamou a atenção profundamente: “quando não entender o que está acontecendo, siga o dinheiro”.

As zilhares de patentes da OnLive não seriam importantes (leia-se, não renderiam dinheiro) se não fosse criado o ambiente ideal, que é o do consenso geral de que algo espetacularmente revolucionário foi criado, que uma nova tendência acaba de tormar forma e quem não seguí-la irá ficar para trás, enquanto quem embarcar vai descolar rios de dinheiro antes da onda quebrar na praia.

Corrijam-se se eu estiver errado, mas o último parágrado lembra um bocado a definição de “hype”.

 

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Traduzindo do diplomatês, o idioma padrão dos seres rastejantes dos departamentos de PR, podemos entender a resposta do Stevie como sendo:

Nossa situação é muito boa. O hype está pegando bem, o que é a parte crítica dos nossos planos de encher a bunda de verdinhas. As indústrias de consoles atuais são as únicas que poderiam nos tirar do mercado, mas eles não irão fazer isso porque seria como atirar no próprio pé. Por outro lado, qualquer um que tentar vai ter que nos pagar gazilhões de notas de cem dólares para liberarmos nossas patentes, que, é claro, é nosso maior ativo. Se algum deles tentar aprontar, vamos colocar nossos 25.225 advogados estagiários atrás deles.

Servidores? Não, não, isso só seria necessário se realmente quiséssemos lançar um serviço dessa natureza, mas eu não bati na minha mãe, hehehe. Eu sei, eu a vendi, mas é bem diferente que bater nela, não é?

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